quinta-feira, 5 de maio de 2011

Computadores serão professores, diz Wozniak


Para Wozniak, a escola restringe a criatividade; computadores podem permitir que aluno dite seu próprio ritmo

O cofundador da Apple, Steve Wozniak, tem uma ideia que pode ajudar a melhorar o sistema de educação pública dos Estados Unidos: computadores, é claro.

A tecnologia está chegando a um ponto em que os aparelhos feitos hoje em dia têm todos os sensores presentes em seres humanos --movimentos, visão e audição, embora ainda estejam longe de substituir pessoas e professores, disse.

"Estamos próximos a um ponto em que se poderá fazer aparelhos que se tornam amigos e não apenas um livro de textos digitalizado", afirmou a engenheiros em um evento no Vale do Silício nesta terça-feira.

Frente a cortes no orçamento, estados norte-americanos e escolas podem ter que fazer cortes que afetam o tamanho das classes, currículos e salários de professores. Já que escolas públicas são, em grande parte, financiadas pelos Estados, elas tipicamente sofrem com os cortes.

Wozniak, que fundou a Apple Computer em 1976 com Steve Jobs e Ronald Wayne, afirmou que os sistemas educacionais não se adaptaram às necessidades das crianças, com escolas aderindo a filosofias de ensino de cima para baixo.

"Se você tivesse 30 professores em uma classe com 30 alunos, todos teriam atenção individual e seguiriam seu próprio ritmo", disse Wozniak. "Então acho que, algum dia, um computador pode ser um professor".

Wozniak mencionou ter ensinado no ensino fundamental por oito anos.

"A escola, em si, é uma força muito restritiva sobre a criatividade", disse. "Quanto você vem às aulas, faz as exatas mesmas páginas no livro, gasta as mesmas horas que todos os outros. Não vai no seu próprio ritmo".

Popularmente conhecido como "Woz", ele obteve a maior parte de seus conhecimentos de engenharia com seu pai e consertando computadores tarde da noite em seu quarto. "Nunca usei um livro escolar para isso", disse.

Fonte: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/computadores-serao-professores-diz-wosniak-04052011-5.shl

sábado, 19 de março de 2011

Sociologia no Ensino Médio: ainda em busca de legitimidade

A presença da Sociologia no Ensino Médio nunca foi algo pacífico ou consensual. Em sua trajetória a Sociologia foi inserida ou excluída dos currículos deste nível educacional em diversos momentos, ao sabor do governante da época. Com a abertura política pós-ditadura militar e a conseqüente redemocratização, os sociólogos passaram a lutar para que a Sociologia fosse aceita definitivamente na grade curricular do Ensino Médio.

Fruto de lutas, avanços e retrocessos, e muita mobilização, finalmente em 2008 a obrigatoriedade desta disciplina nas três séries do Ensino Médio foi estabelecida através da alteração do art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. O novo texto determina não mais que estudante apresente conhecimentos de Sociologia ao término do Ensino Médio, mas que esta disciplina seja lecionada em todos os anos de tal curso.

No entanto, a prescrição legal não foi suficiente para que a Sociologia fosse respeitada por todos como uma disciplina fundamental para a formação das novas gerações. No Estado do Paraná, desde que voltou a ser ensinada, a cada ano, os licenciados em Sociologia enfrentam árduas batalhas para assumirem estas aulas. Impera nos setores administrativos e nas escolas paranaenses a crença de que qualquer graduado, de qualquer área, pode lecionar Sociologia, assim como a sua irmã mais velha, a Filosofia.

Desde a publicação da LDB de 1996 sabe-se que o estudante do Ensino Médio, ao concluir este curso, deve apresentar domínio de conhecimentos filosóficos e sociológicos. Contudo, o texto da lei não especifica como este conhecimento deve ser ensinado. Deste modo, num primeiro momento estes saberes foram incorporados em outras disciplinas ou tratados como conteúdos transversais e depois passaram a ser ensinados em disciplinas específicas, mas em apenas uma série do Ensino Médio. Somente a partir deste ano, 2011, por determinação legal, a Sociologia – assim como a Filosofia – passou a ser ensinada nas três séries do Ensino Médio no Estado do Paraná, cumprindo o decreto presidencial supracitado.

Contudo, o Estado parece ter pouca clareza sobre quem é capacitado a ensinar Sociologia. Nos primeiros anos em que essa foi ensinada no Paraná, foi comum professores de qualquer área lecionando-a. Em muitos casos, graduandos em Ciências sociais iam para as escolas fazer o estágio supervisionado, mas chegando às salas de aula assustavam-se ao saber que o professor que ia orientá-los no estágio era formado em matemática, química ou letras. Não raro estes professores se recusaram a receber o estágio em suas salas de aula. Para evitar deslocamento para outras escolas estes professores assumiam as aulas de Sociologia e passavam a (não?) ensiná-las aos estudantes dessas escolas.

Indignados com esta situação, profissionais licenciados em Sociologia passaram a reivindicar o direito de assumir essas aulas. Depois de muitas lutas, estes professores foram, progressivamente, ocupando seu lugar nas escolas. No entanto, esta prática privatista de repassar as aulas de Sociologia para professores amigos ainda é comum em muitas escolas. De tempos em tempos surgem casos em que o professor não é formado na ciência específica. E o que mais nos assusta é que há um exército de sociólogos nas listas de espera para assumir a função que lhe compete no Ensino Médio.

Parece que a lógica que orienta a política para a educação é a do menor custo e não a da qualidade da educação e da melhor assistência aos alunos. Para que um professor concursado possa completar o seu padrão com aulas de sociologia basta que tenha em seu histórico escolar 120 horas dessa disciplina, não importando que ele seja formado em história ou engenharia mecânica. Como a Sociologia é ensinada na maioria dos cursos, pasmem, quase todos os graduados são considerados, pelo Estado, habilitados a ensiná-la e possuem precedência aos licenciados em Sociologia no caso de inexistência de aulas em sua disciplina.

O que gera este problema é que praticamente inexistem professores de Sociologia concursados. O último e único concurso para contratação de professores desta disciplina foi realizado em 2004. Assim, a defasagem de professores do Quadro Próprio do Magistério (QPM) em Sociologia é de mais de 90%. Para suprir esta demanda ano a ano o governo contrata professores em regime de urgência, através do Processo Seletivo Simplificado (PSS). No entanto, os professores já concursados em outras disciplinas, sem aulas no seu padrão, possuem prioridade para assumir as aulas de Sociologia, desde que possuam a carga horária mínima de 120 horas cursadas em seus currículos da disciplina a ser lecionada.

No ano de 2011, a luta dos professores de Sociologia intensificou-se. As principais bandeiras levantadas foram a defesa de uma educação pública de qualidade e pelo direito dos alunos aprenderem Sociologia com sociólogos. O processo de contratação de professores temporários, o chamado PSS, deste ano caracteriza-se por confusão, processos na justiça, protestos e a desclassificação de professores formados em várias disciplinas, incluindo Ciências Sociais, com especialização e experiência de trabalho no Estado do Paraná. Neste ano ocorreu ainda mais um agravante: a distribuição de aulas de Sociologia para completar padrão de professores de outras áreas já é algo comum e previsto na legislação estadual. Contudo, além da distribuição das aulas para completar padrão, o Núcleo Regional de Educação entregou as aulas de Sociologia para professores de outras áreas como aulas extras[1].

Preocupados em ficar sem aulas e insatisfeitos com esta situação, nós, graduados e professores de Sociologia, decidimos nos mobilizar e protestar contra o descaso com a educação pública paranaense. Começamos através de troca de e-mails e em seguida passamos a nos reunir. Já na primeira reunião decidimos que tínhamos que trazer a público a situação que se encontra a educação estadual. Nossa avaliação foi a de que o cidadão paranaense tem o direito de saber o que ocorre dentro dos muros das escolas.

Nossa primeira manifestação foi realizada com diplomas de Cientistas Sociais nas mãos, nariz de palhaço e apitos na boca. Queríamos denunciar a desclassificação injusta de colegas e a distribuição de aulas de Sociologia para outros profissionais. Com apoio da APP Sindicato saímos em caminhada de frente a sua sede em direção ao Núcleo Regional de Educação (NRE), onde a imprensa já nos esperava. Depois de algum tempo de protesto, a chefe do NRE de Maringá admitiu o equívoco e revogou a distribuição de aulas feita a outros educadores. Tínhamos vencido uma batalha.

Na semana seguinte, ao saber que o vice-governador e secretário da educação, Flávio Arns, viria a Maringá, decidimos fazer nova manifestação e entregar uma carta relatando a situação ao secretário. Nossas reivindicações foram por educação pública de qualidade, através da reorganização do PSS 2011 e da realização de concurso público para contratar professores de Sociologia. Informamos ao secretário que pelo menos 90% desses trabalham de forma precária, através do PSS, ou através das complementações de padrão de outras disciplinas. Atencioso, o vice-governador disse concordar com nossas reivindicações e admitiu que solução definitiva é a realização de concurso público para a disciplina específica.

Entendemos que demos um passo a mais no sentido da legitimidade e da consolidação da Sociologia no Ensino Médio. No entanto, a luz no fim do túnel ainda é tênue. Subsiste ainda forte resistência ao ensino de Sociologia por alguns setores da educação pública. Nós, Cientistas Sociais, precisamos matar um leão por dia para garantir que nossa ciência continue a ser ensinada em nível médio. Diante das perspectivas incertas precisamos manter a mobilização e luta para que a Sociologia esteja presente em todos os anos do Ensino Médio e que seja ensinada por sociólogos ou Cientistas Sociais. Neste cenário tenebroso visualizamos apenas salários atrasados, poucas perspectivas de realização de concurso e descaso para com nossos alunos.


Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/2011/03/19/sociologia-no-ensino-medio-ainda-em-busca-de-legitimidade/

terça-feira, 15 de março de 2011

Como tornar o grupo de estudos para concurso mais eficaz?

Rogerio Neiva mostra quais os principais cuidados para tomar antes de estudar junto com outros concurseiros



Como tornar o grupo de estudos para concurso mais eficaz?
Respondido por Rogerio Neiva, juiz e professor de cursos preparatórios para concursos

Estudar em grupo pode ser uma ótima tática para todo candidato a concurso público. As vantagens vão desde maior índice de disciplina na rotina de estudos (já que se firma um compromisso perante terceiros) a compartilhamento de informações.

Além disso, estudar em grupo contribui para a realização do “output”, que consiste na exteriorização do conhecimento intelectualmente apropriado e é uma das fases do ciclo de aprendizagem.

No entanto, como tudo na vida, essa estratégia também tem seus pontos negativos. Entre eles está o risco do compartilhamento de informações erradas ou desatualizadas por integrantes do grupo. Ou pior, a presença de pessoas indisciplinadas ou com falta de compromisso - fato que pode atrapalhar as atividades dos demais.

A primeira regra para se blindar contra esse tipo de problema é criar garantias mínimas de que os membros do grupo têm o mesmo nível de compromisso com relação ao concurso. E mais: que todos se consideram como aliados e não como concorrentes.

Determinado isso, é preciso partir para a elaboração da dinâmica e regras de funcionamento do grupo. Não se esqueça de incluir sanções e normas de tolerância para caso de descumprimentos das normas.

Por fim, procure planejar e organizar ao máximo, com divisão dos temas, matérias e tarefas, bem como pauta e duração das reuniões, prazos e obrigações.


Créditos: http://exame.abril.com.br/carreira/guia-do-concurso-publico/noticias/como-tornar-o-grupo-de-estudos-para-concurso-mais-eficaz

terça-feira, 8 de março de 2011

Dercy Gonçalves no Céu... (autoria desconhecida)



- Porra tá frio aqui em cima.
- O céu não tem temperatura, minha senhora - pondera um porteiro celestial
de plantão..
- Não tem o cacête. Tá frio sim senhor - insiste Dercy.
- Prefere o inferno? Lá é mais quentinho!
- Manda tua mãe pra lá. Cadê o Pedro?
- Pedro só atende aos purificados.
- E eu tô suja por acaso? Tô cagada, esporreada?
- Você primeiro tem que passar pelo purgatório, ajustar umas continhas...
- Não devo nada a viado nenhum.
- Você foi muito sapeca lá por baixo.
- Como é que você sabe? Andava escondido debaixo das minhas saias?
- Dercy, daqui de cima a gente vê tudo.
- Vê porra nenhuma. Vê a pobreza, a violência, meninas de 4 anos sendo
estupradas pelos pais, político metendo a mão no dinheiro dos pobres,
carinha cheirando até bosta pra ficar doidão? O que vocês vêem? Só me viam?
- Você fala muito palavrão.
- Eu sempre disse que o palavrão estava na cabeça de quem escutava.
Palavrão é a fome, a falta de moral destes caras que pensam que o mundo é
deles. Esses goelas grandes e seus assessores laranjas, tangerinas e o
cacête!
- Está vendo? Outro palavrão.
- Cacête é palavrão, seu porteiro do caralho? Palavrão é a Puta Que o Pariu!

(silêncio por alguns segundos)

- Seja bem vinda Dercy. Sou Pedro. Pode entrar.

- CARAAAAAALHO!!! Não é que eu morri mesmo?!!! E o purgatório?

- Você já passou 101 anos por ele, lá no Brasil. Venha descansar!!!

domingo, 6 de março de 2011

Restos do carnaval, de Clarice Lispector



Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartasfeiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.

No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.

E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.

Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça – eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável – e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.

Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.

Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga – talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel – resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.

Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas – à idéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos
nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha – mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho, que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.

Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.

Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.

Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.

Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

Conto publicado no livro Felicidade Clandestina, Ed. Rocco


Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/coletaneas/restos-carnaval-544941.shtml

sábado, 18 de dezembro de 2010

Os sonhos confiados à esperança: pensar John Lennon 25 anos depois

por PAULO DENISAR FRAGA


Em 8 de dezembro de 1980, John Lennon, considerado o líder intelectual dos Beatles e o mais influente músico pop da história do rock, era morto por um fã em frente ao edifício Dakota, em Nova Iorque, onde residia com Yoko Ono e o filho Sean.

Passado um quarto de século, vale uma vez mais mapear aspectos relevantes do legado público de Lennon, reconhecendo a sua extensa influência artística e recuperando o sentido crítico de sua obra e de suas intervenções políticas, marcadas por um pacifismo anárquico, não raro temperado por uma irreverência clown, de “anti-herói palhaço”, para usar figuras de Flávio Tavares (in Carvalho, 1986, p. 104, 103), mas não no sentido negativo atribuído por certa imprensa abutre da época, especuladora da vida privada e cúmplice do mais vetusto conservadorismo moral e político.

Pensar sua vida, incluindo falar sobre sua morte, não é permanecer numa cândida fixação nos anos 1960, que o próprio Lennon rejeitou. Trata-se de rever uma figura sintética central, expressão singular e social da grande reviravolta juvenil, que teve na contracultura e no rock – o inovador estilo musical surgido nos anos 1950 – os combustíveis necessários para a sua irrupção no cenário dos grandes quadros culturais da modernidade. Como disse Paulo Chacon (1983, p. 74), quem rejeita com um “olhar superior” temas assim, “não compreendeu muita coisa dos últimos 40 anos [agora já 60] e do que está por vir”.


O lorde, Yoko e a paz

Lennon, um homem marcado de berço pela guerra, foi, acima de tudo, um defensor da paz. Quando nasceu, os alemães bombardeavam Liverpool (Sagastume, 2005), o que lhe valeu o segundo nome, Winston, uma homenagem a Churchill, o “lorde da guerra”. Ao contrair sua união com Yoko Ono – a artista de vanguarda que o surpreendeu numa exposição em Londres, quando ele, curioso, subiu uma escada e, por um olho mágico pendente num quadro no teto, leu, simplesmente, “yes” –, infenso aos valores machistas e à guerra, John, ao invés de dar o seu nome a Yoko, aproveitou para deixar o lorde de lado e passou a se chamar John Ono Lennon.

Quando os Estados Unidos invadiram o Vietnam, pagou um comercial de página inteira no The New York Times e em jornais de outros países, deflagrando a campanha “A guerra pára, se você quiser”. Foi um dos movimentos que pesou internamente contra o belicismo criminoso dos agentes-laranja de Nixon. O primeiro ato pela paz, como afirmou Lennon em sua histórica entrevista à Rolling Stone (in Wenner, 2001, p. 55), foi o “Bed peace” (“Na cama pela paz”), a irreverente lua-de-mel com a imprensa em Amsterdam, depois em Toronto, onde ficaram dez dias na cama em protesto.

De fato, ele estranhava uma inequação óbvia do sistema, mas pouco notada, uma espécie de sintoma esquizofrênico da sociedade, em que a violência corre a olhos vistos, ao passo que as pessoas precisam se esconder para fazer amor. Criticado, respondeu: “Fico orgulhoso de ser o palhaço do ano neste mundo em que as pessoas ditas sérias estão matando e destruindo nas guerras como a do Vietnam”.

Nesse embalo, gravaram Give peace a chance que, como observou Antônio Bivar (in Bravo!, 2005, p. 45), é uma música de letra simplíssima: “pegou pelo refrão-grude, tocando o coração até dos mais insensíveis”. Como não poderia deixar de ser, suspeito de “envolvimentos radicais” com Jerry Rubin e outros, Lennon enfrentou ameaças de expulsão dos Estados Unidos, situação que só se reverteu em seu favor após a revista Rolling Stone denunciar uma conspiração ilegal para deportá-lo do país.

Música e crítica social

Afora a língua afiada ao paladar da crítica salobra, o viés mobilizador do ícone John Lennon foi a música de cunho político-social. Em Working class hero, ao bom estilo Bob Dylan, discorreu sobre a difícil situação dos trabalhadores. The woman is the nigger of the world é uma canção com a sensibilidade de reunir numa única frase, sincronicamente, o repúdio à condição subalterna das mulheres e dos negros.

Em Happy Christmas (war is over), após a guerra, como o nome diz, desejou Feliz Natal para brancos e negros, amarelos e vermelhos, reconhecendo a multiculturalidade, tema que hoje grandes intelectuais resgatam ao centro do debate social. Em Power to the people, criticou novamente as condições do trabalho e preconizou a derrubada dos seus exploradores em favor do poder para o povo.

Imagine, a sua principal obra e uma das mais belas músicas já feitas, ao questionar a religião, a propriedade, as nações, a ganância, a fome e, de certa forma, o valor de troca (“imagine todo mundo vivendo para o dia de hoje”), defendendo uma vida comum e fraterna entre os homens, representou, para a formação de muitos adolescentes, que ainda não tinham ouvido falar de Marx, uma espécie de prelúdio do Manifesto do partido comunista.

Cobrado sobre os grandes concertos beneficentes, vistos como uma espécie de função social da música, Lennon revelou-se crítico da caridade assistencialista. Porém, para lembrar um poema de Brecht (1983), não incorreu propriamente no caso de “Quem não sabe de ajuda”, pois de muitas campanhas participou até se convencer de que isso só geraria mais dependência, jamais oferecendo uma solução positiva à pobreza, favorável à autonomia e afirmação dos povos. E quando se declarou socialista, não foi hipócrita: assumiu a sua condição-contradição de rico. Por essas e outras compreende-se por que, em Havana, Fidel Castro considerou meritório inaugurar oficialmente uma estátua em homenagem a John Lennon.

Os Beatles, Jesus e Lucy

Que os Beatles tenham sido mais populares do que Jesus Cristo, como Lennon afirmou numa de suas mais sonoras e polêmicas frases, é obviamente muito difícil, dado o histórico traço judaico-cristão do Ocidente, mesmo que a mídia lhes tenha feito as vezes das cruzadas em direção ao Oriente.

Mas, à parte o criacionismo, Lennon e os Beatles ficam com a vantagem de terem, indiretamente, “batizado” o primeiro ancestral do homem. O cientista Donald Johanson conta no seu livro de divulgação, assinado com Maitland Edey, que, após a localização do fóssil, houve tanta euforia que à noite ninguém dormiu. E um gravador tocou direto o hit Lucy in the sky with diamonds, até que a alguém da equipe ocorreu a idéia de chamarem a descoberta de suas vidas de “Lucy” (1996, p. 24-25).

Seria esse um detalhe banal, pois nomes podem surgir quase que de quaisquer coisas ou casualidades? Talvez. Mas, no entremeado terreno da ciência e da cultura, depois de Lucy a história da evolução não pode ser mais contada sem, pelo menos, uma nota de rodapé para os Beatles. E o próprio Johanson o releva: “– Lucy? Essa é a inevitável pergunta de quem vê o fóssil pela primeira vez. E tenho sempre que explicar: – Sim, era uma fêmea. E tem aquela história dos Beatles” (Idem, p. 25).

Quase penitenciando-se, a sobriedade do grande cientista confessa: “Não se esqueça de que ficamos nas nuvens quando a encontramos” (Ibidem). E foi assim, marcando presença na parte que lhes cabia, que a turma do “ié-ié-ié” entrou para as crônicas da ciência. É importante dizer isso, porque em Lucy in the sky with diamonds muitos não enxergaram nada além do que a mera sigla de LSD.

Legado pop e MPB

Assim como fora com os Beatles, a influência de Lennon espalhou-se desde as maiores estrelas do rock internacional, como Roger Waters, ex-Pink Floyd, e Bono Vox, o engajado vocalista do U2. O que não foi diferente no Brasil.

A propósito, Renato Russo, talvez o maior compositor da nova geração do rock nacional, emergida nos anos 1980, contestou a suposta incompatibilidade entre o rock e a MPB, alegando que pensar isso seria desconhecer o rock’n’roll, que não é uma música só de jovens para jovens, assim como a MPB não é só de velhos para velhos (in Vasco, 1997). É uma idéia que apreende a dinâmica da música acima dos preconceitos culturais de uma certa xenofobia dos idiomas e ritmos. No que se refere especificamente ao pop rock, tanto mais isso é verdadeiro.

Embora os Beatles tenham influenciado sobremaneira o rock brasileiro desde a Jovem Guarda (quem não se lembra de Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, versão da música italiana de Gianni Morandi), foi na MPB que Lennon se tornou mais referido, provavelmente superando qualquer outro nome estrangeiro. A mais enigmática dessas músicas, talvez, seja aquela que melhor confirme a tese de Russo. Para Lennon e McCartney, de Fernando Brandt, Lô e Marcio Borges, diz: Eu sou da América do Sul/ Eu sei vocês não vão saber/ Mas agora sou cowboy/ Sou do ouro, eu sou vocês/ Sou do mundo, sou Minas Gerais”. Afinal, uma boa pista sobre a sua letra está na indagação do sociólogo José Roberto Zan: “Será que eles não estariam anunciando um novo regionalismo articulado a linguagens universais?” (in Alves Filho, 2005).

As referências seguem, em letras mais explícitas. A morte de Lennon foi lamentada na bela Canção do novo mundo, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos: “…como pode acontecer/ Um simples canalha mata um rei/ Em menos de um segundo/ Oh! Minha estrela amiga/ Por que você não fez a bala parar?”. Em Loucos de cara, Kleiton e Vitor Ramil fazem, possivelmente, referência ao irônico fato de Lennon e Yoko terem feito doações à polícia novaiorquina para compra de coletes à prova de bala e ele ter morrido assassinado: “Não importa que Lennon arme no inferno a polícia civil”. O inferno era o lugar para onde ele cogitara haver o risco de ir, tal como julgara ter ocorrido com Elvis. Em Lennon, Dalto queixou-se do impacto da sua ausência criadora: “Lennon mande alguma coisa nova pra nós/ Há muito tempo não se ouve uma voz /Que deixa o coração ser mais feliz / [...]/ Você faz tanta falta por aqui…”

Belchior e José Luis Penna, em Comentário a respeito de John, lembraram da campanha contra a guerra: “Sonho escrevo em letras grande (de novo!)/ Pelos muros do país / Sob a luz do teu cigarro, na cama”. Contam ao amigo que as coisas não são mais as mesmas: “John, o tempo andou mexendo com a gente sim!”. E arrematam com uma pinçada de finíssima sensibilidade: “A felicidade é uma arma quente”. Este era o nome de uma música do “The white album”, dos Beatles, em 1968, posteriormente regravada pelo U2. Um título que Lennon tirou de uma revista de armas, mas que, na verdade, é uma frase sobre a dialética errática da vida, dominada pela lógica do empuxo da luta pela felicidade. Uma frase, no fundo, sobre ele mesmo, para quem o uso figurado veio a colidir tão tragicamente com a sua outra face, a cara-metade que lhe confere sentido, isto é, o antípoda realístico. Para ele, o fim da mediação do simbólico. Para o seu assassino, o início.


Reconhecimento e violência

A Folha da Tarde (1980) noticiou que Sean Strub, uma das testemunhas no edifício Dakota, disse que, após atirar, o jovem Mark David Chapman, então com 25 anos, “tinha a sombra de um sorriso irônico”. Lennon já desconfiara da lógica aniquiladora da sociedade de consumo. Havendo se retirado das gravações, ao ser perguntado o que fez entre 1975 e 1980, disse à Playboy que andou fazendo pão e cuidando do bebê (Sean), porque não se sentia livre com a prisão dos seus contratos (in Carvalho, 1986, p. 40). Contudo, Lennon não pôde evitar aquilo do que viveu, e a fama é um dos lugares – em tese – possíveis de se chegar na luta pelo reconhecimento, crivo pelo qual o filósofo Hegel (1992) ensinou que todas as consciências necessitam passar.

Assim como o jovem, que atirou na platéia de um cinema em São Paulo em época recente, afirmou ter antes pensado em usar uma granada, mas depois preferiu a metralhadora porque daria maior impacto, Chapman, por sua vez, declarou que matou John Lennon porque queria se tornar “conhecido”. Ou seja, é o típico jovem de classe média em busca do reconhecimento estranhado de “ser alguém” conforme aos cânones fúteis do status midiático, o que torna a escalada da fama algo universalmente desejável, mas não universalmente alcançável (cf. Fraga, 2002, p. 52-53). Não é à toa que a banalidade dos reality shows faz tanto sucesso.

Agregue-se que, após atirar em Lennon, Chapman deixou cair a arma para ler tranqüilamente O apanhador no campo de centeio, de Jerome David Salinger (s.d.). O livro falava de um jovem que voltava para casa frustrado com seu insucesso escolar, perguntando-se como iria enfrentar a “barra” diante da família. Era um livro que fizera a juventude norte-americana reconhecer-se, quem sabe pela primeira vez (pois saíra em 1951, quando a questão juvenil propriamente começava a emergir, assim como o rock), em sua problemática psicossocial mais profunda que, como observou Alejandro Ventura (1994), dependendo das canalizações possíveis, às vezes pode adquirir uma dimensão explosiva. Já não seria hora de se entender que Chapman não era só um “maluco”, como foi descrito, mas uma engrenagem ativa só compreensível no bojo de uma pergunta muito mais radical por essa lógica que habita a base do sistema?

A violência, portanto, não é primeiramente um defeito moral, uma deformação de um suposto verdadeiro ser humano. Ela é uma forma de ser e de afirmar-se em determinadas condições sociais. John Lennon lutava por uma sociedade de paz para todos. A eficácia transformadora de sua ideologia de paz e amor é, evidentemente, questionável. Mas somente uma sociedade em que as “formas de reconhecimento possam forjar-se no sentido da construção da liberdade humana, e não no da dominação” (Fraga, 2002, p. 57), pode ter a chance de superar a violência enquanto forma de afirmar-se pela necessária negação do outro, o que faria sem sentido a frase silogisticamente correta que Lennon disse sobre Elvis e que terminaria servindo tão bem para si: “um rei sempre termina morto por seus vassalos”. A propósito, a aludida teoria de Hegel sobre o reconhecimento ficou famosa justamente pelo nome de “dialética do senhor e do escravo”.

Sonho romântico e esperança

Renato Russo acreditava que a mensagem do rock ia mais longe que a dos livros. Sublinhava que grandes músicas são também uma idéia (in Vasco, 1997). Ou seja, já não são mais apenas músicas. São um ponto de vista, um modo, ainda que assistemático, de compreensão do mundo. Numa tese de valor universal, o filósofo Lukács (1981) afirmou que a arte manifesta a autoconsciência do desenvolvimento da humanidade. O que os artistas expressam na arte é a sua afetação pela lógica do mundo. Desde o tempo dos Beatles, a beleza da letra interessou menos a Lennon do que o sentido da música, independente do tema. Essa foi uma das primeiras coisas que o contrariaram no grupo, à medida que a ótica empresarial foi se acentuando. E que iria definir o perfil da sua obra independente.

Não importa se sua visão política era dominada por contornos românticos, bem ilustrada no que contou ter dito a Jerry Rubin: de que se recusava a todas as barricadas, exceto as que fossem feitas de flores (in Carvalho, 1986, p. 78). Como Gandhi, Lennon preferia a cultura da não-violência. “Paz, não-violência e todo mundo numa boa” era a sua filosofia. Mas importa perceber que o seu romantismo podia ser tudo, menos conservador. Arriscando-se uma análise primeira a partir das tipologias de Michael Löwy e Robert Sayre, talvez se possa afirmar que, enquanto músico engajado, Lennon se aproximava de um romantismo utópico-humanista (não exatamente socialismo utópico, porque lidava com valores, mas não com modelos), que se orienta preferencialmente à “humanidade inteira, dirigindo-se a todos os homens de boa vontade” (Löwy; Sayre, 1993, p. 68). Os utópicos falam do sofrimento do trabalho, como Lennon falou, mas não vêem o desfecho da história como resultado do clássico referencial marxista da luta de classes.

Seja como for, o fato é que Lennon foi um gigante no terreno da revolução dos costumes no século XX, e uma destacada figura da luta contra a guerra. Foi um ridicularizador de variadas formas de rebaixamento da expressão e da liberdade humanas. Foi um ser autêntico que se posicionou e falou o que pensava, independente de agradar ou não o que ele dizia. Foi, enfim, um desses espíritos inquietos extraordinários – que só de quando em vez a humanidade é capaz de produzir –, cuja existência contestadora ajuda a entender coisas tão simples do cotidiano, como a de por que, em geral, parecem tão sem cor e sem gosto as figuras do conservadorismo moral e/ou político.

A famosa frase de Lennon “o sonho acabou” não era apenas o dobre de sinos do final dos Beatles para fãs melancólicos. Se o sonho continuou como uma referência sua, a frase fora, talvez, um corte necessário que, de algum modo, significou também dizer que, para ele, a dimensão do sonho ia além dos limites da beatlemania, que passava a criticar. Assim, de outra parte, a frase denotara, também, a percepção de que o sistema havia reagido e que o mundo não era mais o mesmo: “Houve toda uma grande mudança e vamos rumo a um futuro desconhecido. Mas ainda estamos aqui. Enquanto há vida, há esperança” (in Carvalho, 1986, p. 111). Pouco antes de morrer, à pergunta sobre qual pensava ser o sonho dos anos 1980, respondeu, sem modelos: “Faça seu próprio sonho. [...]. Eu não posso te despertar. Você pode se despertar” (Idem, p. 81). Para ele o sonho tinha a extensão que tem para cada um e que, às vezes, na história, se manifesta coletivamente, como foi no Maio de 1968 ou nas revoluções políticas.

Na vida política de Lennon, estava de algum modo presente aquilo que o filósofo Ernst Bloch (2005) chamou, no seu amplo inventário de sonhos e utopias, de princípio esperança. “O que nós temos que fazer é manter viva a esperança, porque sem esperança todos nós vamos naufragar”, insistia Lennon. Afinal, o que seria dos sonhos, ou melhor, de qualquer sonho, sem a esperança? Que elemento mobilizador poderia ter? De outra parte, que esperança pode existir sem um sonho, sem algum ideal que se contraste ao realismo cínico? Na recíproca dialética do sonho e da esperança, as fagulhas da crítica não se apagam com o tempo. E quem desejar uma expressão mais sintética de como Lennon unia essas duas coisas, pode vê-la em Imagine: “Você pode dizer que sou um sonhador/ mas não sou o único não/ e espero que um dia você se junte a nós/ e o mundo será uma coisa só”.

Referências:

A MORTE de Lennon repercute no mundo.http://almanaque.folha.uol.com.br/manchetes_10dez00.shtml>. Acesso em: 03 dez. 2005.

ALVES FILHO, Manuel. Pesquisando por música. Jornal da Unicamp. Campinas, n. 288, 16-22.maio. 2005, p. 12. http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2005/ju288pag12.html>. Acesso em: 03 dez. 2005.

BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro: Contraponto/Eduerj, 2005. v. 1.

BRECHT, Bertolt. Antologia poética. Rio de Janeiro: Elo, 1983.

CARVALHO, Eide M. Murta (org.). O pensamento vivo de John Lennon. São Paulo: Martin Claret, 1986.

CHACON, Paulo. O que é rock. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Primeiros Passos).

FRAGA, Paulo Denisar. Violência: forma de dilaceramento do ser social. Serviço Social & Sociedade. São Paulo, ano XXIII, n. 70, p. 44-58, jul. 2002.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 1992. v. 1.

JOHANSON, Donald C.; EDEY, Maitland A. Lucy: os primórdios da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

LENNON, a utopia possível. Bravo! São Paulo, ano 9, n. 98, p. 36-45, nov. 2005.

LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Romantismo e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

LUKÁCS, György. Sociologia. Org. José Paulo Netto. São Paulo: Ática, 1981. (Grandes cientistas sociais).

SAGASTUME, Celso Afonso Brum (org.). John Lennon. Santa Maria: Reflexão, [2005]. 1 CD. (Biografias virtuais).

SALINGER, Jerome David. O apanhador no campo de centeio. 8.ed. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, s.d.

VASCO, Júlio (org.). Conversações com Renato Russo. São Paulo: Letra Livre, 1997.

VENTURA, Alejandro. 1968… o de como la bestia devino imaginación. Montevideo: Jenscet, 1994.

WENNER, Jann. Lembranças de Lennon. 2.ed. São Paulo: Conrad, 2001.


* PAULO DENISAR FRAGA é Mestre em Filosofia pelo IFCH, Universidade Estadual de Campinas; Professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas, MG. Publicado na REA, nº. 55, dezembro de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/055/55mh_fraga.htm


Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/2010/12/18/os-sonhos-confiados-a-esperanca-pensar-john-lennon-25-anos-depois/



terça-feira, 30 de novembro de 2010

A importância da experiência do trabalho no aprendizado

Janguiê Diniz*

Valor Econômico - EU&Carreira

Imagine um bacharel em comércio exterior, recém-saído da faculdade, assumir um importante posto de trabalho. Ou um economista recém-formado, também sem experiência, assumir um cargo em um grande banco de investimentos. É quase impossível que isso aconteça. Em primeiro lugar, porque o estágio profissionalizante faz parte do currículo da maior parte dos cursos de graduação e possibilita colocar em prática a teoria que aprendeu em sala de aula. Em segundo lugar, porque a ascensão profissional segue o rito da meritocracia e do plano de carreira das empresas.

A formação acadêmica moderna está centrada mais na constituição de competências, habilidades e disposições de condutas do que pela quantidade de informação. Isso representa que o aluno aprende a aprender, a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido, a fazer a ponte entre a teoria e a prática, além de fundamentar a crítica e argumentar com base em fatos.

Agora imagine o contrário. Um profissional da área de informática, com vários anos de experiência, com habilidades e competência para assumir um cargo de gerência, mas sem formação superior. Sim, há empresas que retém esses talentos, independentemente de sua formação acadêmica, mas são exceções. Para fazer carreira é necessário, além de muita competência, ter uma sólida formação acadêmica e conhecimento multidisciplinar.

Assim como o jovem recém-formado tem o estágio como uma ferramenta para seu ingresso no mercado, o profissional experiente sem formação superior pode validar suas competências para lhe proporcionar formação acadêmica e uma cultura abrangente. Há mais de 20 anos, é usada em vários países europeus e na América do Norte, uma metodologia de ensino fundamentada no aprendizado pelo trabalho - Work-Based Learning. Nela, o próprio trabalho e o seu ambiente são utilizados como case do programa de aprendizagem.

A experiência e o dia a dia no trabalho são tão importantes na aprendizagem como a teoria passada na sala de aula. Paulo Freire já dizia que é preciso trabalhar a realidade do cotidiano do estudante para uma efetiva aprendizagem. É o aprender fazendo, com o aprender pensando a respeito do que está sendo feito. E isso se aplica tanto ao estágio, quanto ao Work-Based Learning.

Essa metodologia, além de conduzir a uma aprendizagem sustentável, leva o profissional à aquisição de novos conhecimentos, os quais são construídos e conectados com os já existentes.

No Brasil, mais de 70% dos adultos trabalhadores não possuem formação acadêmica, mas possuem ampla experiência profissional em diversas áreas. A proposta da educação pelo trabalho é oferecer uma nova alternativa de aprendizagem para adultos trabalhadores. O ensino superior brasileiro vem se liberando de preconceitos e conservadorismo. Um grande exemplo disso é a disseminação da Educação a Distância (EAD).

O Work-Based Learning é uma das alternativas para a inclusão de trabalhadores no ensino superior. Com esta nova metodologia, o país pode ter uma população adulta trabalhadora com cursos superiores nas respectivas áreas de atuação. Educação vem sempre em primeiro lugar e não faltam oportunidades de aprendizagem para quem quer e precisa.

*Janguiê Diniz Fundador e presidente do Conselho do Grupo Ser Educacional.


Fonte:http://www.gruposoma.net/experiencia-trabalho-aprendizado-carreira.html?utm_source=getresponse&utm_medium=email&utm_content=A+import%C3%A2ncia+da+experi%C3%AAncia+do+trabalho+no+aprendizado&utm_campaign=gruposoma